A cada eleição a propaganda eleitoral pelos meios digitais vem crescendo, em especial por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens, fenômeno este que se mostrou muito claro nas eleições de 2018, onde candidatos com pouco tempo no horário gratuito de TV e rádio, mas com grande engajamento digital obtiveram sucesso nas urnas.
Outra constatação destas “eleições online” é a própria evolução da legislação neste sentido, ao passo que atualmente já é permitido desde o impulsionamento de conteúdos pela internet, até a realização de financiamento coletivo online (crowdfunding) eleitoral.
Esse viés digital da propaganda eleitoral traz consigo também novos formatos de crimes e condutas vedadas. Do mesmo modo que já acontecia artesanalmente nas eleições passadas, onde os ataques muitas vezes eram propagados por jornais e bilhetes anônimos, agora os ataques são sofisticados e buscam atingir a reputação e imagem dos personagens do jogo eleitoral pelo meio digital, seja através da difusão de notícias falsas (fake news), do ataque direto à reputação e honra, como a calúnia, difamação e injúria, até mesmo acusação de falso crime com viés eleitoral e a incitação de crime, quando por meio de uma postagem se incita outros comentários criminosos.
Essas práticas, que são realizadas muitas vezes por meios sofisticados de produção, infelizmente vem se tornando muito comuns, seja nas redes sociais ou por meio da troca de mensagens, onde a difusão é muito rápida, silenciosa e de difícil fiscalização.
Perfil falso, ou o chamado “perfil fake” é aquele usuário da internet, em especial de redes sociais, que não é possível identificar precisamente sua identidade, seja em razão do nome, da foto ou de demais características de registro do perfil. A legislação brasileira ainda não tipifica como crime o uso de perfil falso na internet. Este tema já vem se debatendo desde 2014 no Congresso Nacional por uma série de projetos de lei, porém até a presente data não há lei vedando o seu uso.
Por outro lado, a Lei n. 12.965/2014, o chamado Marco Civil da Internet, estabeleceu que o “uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão” (art. 2º), mas ao mesmo tempo, impõe uma série de regras quanto às consequências de eventuais abusos, bem como a possibilidade de identificação de usuários da rede.
Para analisar esta temática não basta somente abordar a legislação brasileira, faz-se necessário também conhecer o que tratam os termos de uso das redes sociais, ao passo que todos os usuários aderem a estes contrato e estão adstritos às regras impostas.
Deste modo, analisaremos as regras sobre criação de perfis das redes sociais mais utilizadas no Brasil: o facebook, instagram e twitter:
O Facebook traz seu termo de uso no link https://www.facebook.com/terms e define que os usuários têm o compromisso de usar o mesmo nome que usa em sua vida cotidiana, fornecer informações precisas sobre você e criar somente uma conta (sua própria) e usar sua linha do tempo para fins pessoais. As regras estão assim dispostas:
Seu compromisso com o Facebook e com nossa comunidade
Fornecemos estes serviços para você e para outras pessoas a fim de ajudar a promover nossa missão. Em troca, precisamos que você assuma os seguintes compromissos:
1. Quem pode usar o Facebook
Quando as pessoas se responsabilizam pelas próprias opiniões e ações, nossa comunidade se torna mais segura e responsável. Por isso, você deve:
Usar o mesmo nome que usa em sua vida cotidiana.
Fornecer informações precisas sobre você.
Criar somente uma conta (sua própria) e usar sua linha do tempo para fins pessoais.
Abster-se de compartilhar sua senha, dar acesso à sua conta do Facebook a terceiros ou transferir sua conta para outra pessoa (sem nossa permissão).
O Instagram na verdade faz parte da facebook, que a adquiriu e administra, do mesmo modo que o aplicativo de mensagens Whatsapp. Embora sejam todos do facebook, cada um mantém seu termo de uso e regras próprias.
No ponto, o Instagram traz regras muito objetivas sobre a criação de perfis, e deixa claro que o usuário não precisa divulgar sua identidade no Instagram, mas deve fornecer informações precisas e atualizadas.
O termo de uso disponível pelo link https://help.instagram.com/581066165581870 e que citamos em inglês, língua original do instrumento:
You can't impersonate others or provide inaccurate information.
You don't have to disclose your identity on Instagram, but you must provide us with accurate and up to date information (including registration information). Also, you may not impersonate someone you aren't, and you can't create an account for someone else unless you have their express permission.
A tradução literal é a seguinte:
Você não pode se passar por outras pessoas ou fornecer informações imprecisas.
Você não precisa divulgar sua identidade no Instagram, mas deve fornecer informações precisas e atualizadas (incluindo informações de registro). Além disso, você não pode se passar por alguém que não é e não pode criar uma conta para outra pessoa, a menos que tenha a permissão expressa dela.
O twitter é um microblog conhecido por sua velocidade na difusão de informações e é uma plataforma utilizada por vários atores do meio político para se comunicar com a comunidade, a imprensa, apoiadores e eleitores.
Quanto a criação de perfis, o twitter traz em seu termo de uso regras abrangentes e simples, o qual pode ser acessado pelo link https://twitter.com/pt/tos:
1. Quem pode utilizar os Serviços
Você pode utilizar os Serviços somente se concordar em celebrar um contrato vinculante com o Twitter e não for uma pessoa impedida de receber serviços sob as leis da jurisdição aplicável. Em qualquer hipótese, você deve ter no mínimo 13 anos de idade, ou no caso do Periscope 16 anos de idade, para utilizar os Serviços. Se estiver aceitando estes Termos e utilizando os Serviços em nome de uma empresa, organização, governo ou outra entidade legal, você declara e garante que está autorizado a realizar tal ação e que tem poderes para vincular referida entidade a estes Termos, hipótese em que as palavras "você" e "seu" conforme utilizadas nestes Termos farão referência a tal entidade.
Apesar de parecer flexível quanto a criação de perfis, o twitter tem regras e políticas detalhadas sobre o que chama de autencidade nas “Regras do Twitter”, acessivel pelo link https://help.twitter.com/pt/rules-and-policies/twitter-rules, e veda o uso de outra identidade se for para iludir, confundir ou enganar, senão vejamos:
Autenticidade
Integridade cívica: você não pode usar os serviços do Twitter para manipular ou interferir em eleições ou outros atos cívicos. Isso inclui publicar ou compartilhar conteúdo que suprima a participação ou induza as pessoas ao erro sobre quando, onde ou como participar de um ato cívico.
Falsa identidade: não é permitido assumir a identidade de indivíduos, grupos ou organizações com a intenção de iludir, confundir ou enganar.
Além disso, o twitter originariamente em inglês, ao dispor sobre “Rules and policies - Impersonation policy” (https://help.twitter.com/en/rules-and-policies/twitter-impersonation-policy) prevê o seguinte:
Impersonation policy
Impersonation is a violation of the Twitter Rules. Twitter accounts that pose as another person, brand, or organization in a confusing or deceptive manner may be permanently suspended under Twitter’s impersonation policy.
Traduzindo literalmente para o português, esta regra prevê:
Política de representação
A representação é uma violação das Regras do Twitter. As contas do Twitter que se apresentam como outra pessoa, marca ou organização de maneira confusa ou enganosa podem ser suspensas permanentemente de acordo com a política de representação do Twitter.
Como se vê, todas as três redes sociais possuem regras nos seus termos de uso que inibem o uso de perfis falsos, em especial quando utilizados para cometimento de atos ilícitos e quando utilizados para confundir, iludir ou enganar os demais usuários das redes sociais.
Além disso, todas as três possuem meios para denunciar perfis falsos, bem como eventuais agressões e ataques, podendo rapidamente a vítima usar mecanismos próprios para bloquear o suposto agressor, porém mesmo assim, em alguns casos, as agressões podem ser visualizadas por outros usuários.
De fato é possível utilizar os mecanismos de denúncia das próprias redes sociais para encerrar as agressões, porém estes mecanismos na grande maioria das vezes não se mostram eficazes como forma de reação, tampouco fornecem a identificação dos agressores quando feitas por perfis falsos.
Em resumo, apesar das regras das redes sociais citadas inibirem o uso de perfis falsos e eventuais ataques pessoais por estes, a prática mostra outro cenário. Atualmente o nosso país se vê num momento delicado de uso em massa de perfis falsos, como de notícias falsas difundidas pelas redes sociais, em especial contra magistrados e atores do universo político, sejam de esquerda, centro ou de direita.
Então o que devo fazer se fui atacado por um perfil falso no facebook, instagram ou twitter?
Como já dito, todas as três redes sociais analisadas mantém seus canais de denúncia, porém o usuário que foi vítima deve realizar a denúncia com o argumento correto e adequado, sob pena de demorar e nada acontecer. Isso porque, como já exposto no início, o princípio basilar da internet no Brasil é o da liberdade de expressão, e por este motivo, somente em casos graves é que os administradores das redes sociais intervêm nos conteúdos, sendo a exclusão de postagens e de perfis medidas mais do extremas.
Do mesmo modo, as redes sociais não fornecem de forma deliberada informações de perfis para outros usuários, mesmo no caso de ataque por perfil fake, visto que o art. 10, § 1º do Marco Civil da Internet determina que “o provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros (...), de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial”
Portanto, o primeiro caminho a se tomar é guardar as provas dos ataques, em especial por meio do print de postagens e a gravação de vídeos quando for caso. Além disso, para evitar que a prova se perca com a simples exclusão do conteúdo pelo agressor, orienta-se a formalização de ata notarial com o conteúdo que se deseja utilizar como prova.
O segundo passo pode ser a denúncia adequada na própria rede social, e assim, seja iniciado o procedimento visando a exclusão do conteúdo e em casos extremos até mesmo do perfil falso.
A etapa mais direta é buscar judicialmente a aplicação do art. 22 do Marco Civil da Internet, o qual determina que: “a parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.”
Importante destacar que este pedido em regra é prontamente deferido, pois o anonimato é vedado no Brasil, por força do art 5º, inciso IV, da Constituição Federal. Assim, apesar de existirem nas redes sociais perfis falsos, mediante ordem judicial, todas as informações do usuário podem ser fornecidas, visto que ao mesmo tempo que a liberdade de expressão é o princípio basilar na internet, o uso desta liberdade combinado com o anonimato para atacar a honra, personalidade e reputação das pessoas é vedado.
Sobre este ponto, é importante o recente voto no Min. Celso de Mello, lavrado em 18.06.2020, na Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 572 do DF, que tratou sobre a validade do Inquérito das Fake News no Supremo Tribunal Federal:
3. As razões subjacentes à edição da Portaria GP nº 69/2019: preservação da dignidade institucional e da honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, bem assim proteção da integridade física e moral dos seus Juízes. Máquina de “Fake news”, anonimato inconstitucional (CF, art. 5º, IV) e necessidade de tutela da ordem democrática
É inquestionável que a liberdade de expressão qualifica-se como pressuposto essencial e necessário à prática do regime democrático. A livre manifestação de ideias, pensamentos e convicções não pode e não deve ser impedida pelo Poder Público nem submetida a ilícitas interferências do Estado, muito embora a própria Constituição da República, ao dispor sobre essa liberdade fundamental, expressamente proíba o anonimato (CF, art. 5, IV, “in fine”), que traduz técnica de ocultação habitualmente utilizada pelos que atuam nos ambientes sombrios do submundo digital, como muitos daqueles cujas ações traduzem objeto das investigações penais resultantes do ato ora impugnado.
Deste modo, ao receber judicialmente as informações sobre o agressor, a vítima poderá tomar as medidas que julgar justas tanto na esfera criminal como na cível, visando a competente indenização.
No âmbito do Direito Eleitoral, as normas especiais vedam por completo a propaganda eleitoral anônima, inclusive na internet, como determina o art. 30 da Resolução TSE n. 23.610/2019:
Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput).
Portanto, no período de pré-campanha os perfis falsos que difundirem propaganda eleitoral vedada, seja ela negativa ou não, bem como ataques aos pré-candidatos poderão responder na Justiça Eleitoral ao pagamento multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º), conduta esta (anonimato na propaganda eleitoral) que se abrange durante todo o período da campanha regular, sem contar eventuais ações penais e indenizatórias na esfera cível e que também são cabíveis.
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